quinta-feira, 20 de maio de 2021

O MENINO QUE NÃO DESENHAVA LÁGRIMAS

Era uma vez um menino. Que nunca havia desenhado uma lágrima. Também pudera, por que um menino precisaria saber desenhar uma lágrima. Esse substantivo não faz parte da infância, ou não deveria fazer, de nenhum garoto. As lágrimas da infância quando muito são geradas por machucados ou raladas na pele. Não existem por tempo suficiente para serem desenhadas. Já as lágrimas das outras fases da vida são de dores alheias aos machucados. E que dores. Quantas lágrimas. O menino cresceu e quando percebeu havia sido incorporado por um adulto. Novas fases da vida se apresentariam e ele poderia, por fim, aprender a desenhar uma lágrima. Há, no entanto, uma fase da vida em que a palavra “mãe” se une à palavra “saudade”, nascendo desta união um vertedouro eterno de lágrimas. Foi dessa união que o garoto viu uma profusão de lágrimas verterem em um papel branco sobre a mesa. Um súbito sentimento de alegria, embora contida, percorreu seu corpo, agora em simbiose com o adulto. Aprenderia finalmente a desenhar uma lágrima. Um desvio na mesa fazia com que as lágrimas caídas sobre o papel escorressem e formassem uma figura conhecida. Onde caiam, as lágrimas impregnavam uma mancha no papel, desenhavam assim as pétalas, ao escorrer confluíam para uma estrutura parecida com um caule. Havia nascido uma flor. Quanto desespero do nosso garoto, ainda não conseguia aprender a desenhar uma lágrima. Percebeu, no entanto, em sua infinita pureza, que a palavra MÃE quando se une à palavra SAUDADE, dão origem a lágrimas que logo se transformam em uma flor. Desenhou assim, a mais linda flor que o universo já viu. A flor única, frágil, imprecisa e bela. Era a flor de lágrimas do nosso menino. Terminado o desenho, o menino escreveu, bem ao pé da flor: ─ Mãe, aceite esta flor que desenhei. Ela nasceu com as lágrimas da saudade. Eu nunca aprendi a desenhar uma lágrima, então só consegui desenhar a flor. Se um dia vir um garoto tentando desenhar uma lágrima em forma de flor, nunca o repreenda, ele, de fato, nunca aprendeu a desenhar uma lágrima. Eduardo José Aloia

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