quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

INVISIBILIDADE PÚBLICA



FINGI SER GARI POR 8 ANOS E VIVI COMO UM SER INVISÍVEL

Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da “invisibilidade pública”. Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social.

O psicólogo social  Fernando Braga da Costa  vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são “seres invisíveis, sem nome”. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da “invisibilidade pública”, ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Fernando Braga da Costa trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:

Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência,  explica o pesquisador.

O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano.  Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado  em um poste, ou em um orelhão, diz.

E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma ideia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.

E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece  jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa.

Esses homens (garis) hoje são meus amigos. Conheço a família deles, frequento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe.

Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome.

Publicado por Luciano Soares
Plínio Delphino, Diário de São Paulo.


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