Quando damos conta de que não há ninguém por perto da nossa
alma, nasce à solidão, filha não querida. No momento em que alguém que se ama
vai embora - deixando desentender tudo - a solidão cria forças.
Um abrir mão sem querer. Sentença sem recurso. Carcereira que
nos leva, insensível, até a cela de nós mesmos.
Solidão é um rosto que não se mostra, mas que sabemos deformado
e feio. Nada vemos, no entanto, lhe percebemos o andar e a sombra. Cálice que
leva ao desespero gota a gota. Sabor com travo de vinho acre que se bebe só. O
calor do querer sem fim desaparecendo com o clarear do dia.
Vontade das palavras que ninguém pronuncia. Um bicho enorme que
se alimenta de sonhos e devora nossa essência. O desejo do beijo e do carinho
não recebidos. Um desaprender do que serve a vida. O que não volta a acontecer
jamais. Imenso vazio que toma conta de nós e nos torna invisíveis até para quem
dorme ao nosso lado.
São nossos planos de malas prontas. Perda amarga que obriga
assistir a partida sem mãos capazes de reter. Amor que escorre pelos ralos do
nosso não saber. A alegria que perdeu suas vestes. Desencontro marcado. Chegar
e descobrir que o outro já partiu. Partir por saber que o outro jamais virá.
Tanto amor indo e se perdendo, enquanto nos perdemos de tanto amor. Sensatez
perdida na ventania do impreciso e do imprevisto. O sorriso inventado para não
ser necessário explicar verdades.
É um vazio que não se preenche. Sentimentos que romperam as
comportas, para castigar com sua fúria, a inveja de ser feliz...Uma música
lenta que faz fechar os olhos, congelando imagem e gesto de quem dançou
junto... Tatear para descobrir através da cegueira, a certeza que nada mais
está por perto. Movimento dos corpos sem a magia que os uniu um dia. Sem o
ritual etéreo e tão próximo da santidade que só o amor de verdade cultua.
Juntos agora no descompasso.
Aparelhos numa sala de cirurgia - adiando a morte completa do
que foi cumplicidade. Sinais arrítmicos que forçam desligar o fio que alimenta
a certeza do outro. Vidas que eram sorrisos e pulsares. E não mais se
aproximam. Ao contrário. Vão indo fugidios para seus barcos, discretos e
silentes.
Olhamos o mar sem ancoradouro. Observando nossa sombra se
quebrando nas marolas. Pedaços de nós chorando por inteiro. Atentos, talvez, ao
tempo do reverso.
De repente, uma faísca num pensamento impossível. Um quase
imperceptível piscar dos olhos. Não importa... Uma fração de segundo que
valesse apostar toda uma vida. Mais que isso:
A esperança de valer a pena uma única vez – depois de mil vezes
-viver essa agonia.
Paulo Moreira
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