Vamos mostrar que um dos principais problemas na qualidade do ensino vem da falha na formação acadêmica.
Pitágoras foi mestre uns 500 anos antes de Cristo, época em que o professor tinha tempo para observar o mundo, fazer descobertas e ensinar.
No século XXI, Pitágoras é professor no Brasil. Dá aula no Rio de Janeiro e a vida dele não é fácil.
Após a primeira aula,
Pitágoras Cyriaco pega de novo a moto, percorre ruas da Zona Norte do Rio, come
rapidinho no balcão e chega na segunda escola onde leciona. Pensa que parou por
aí? O Pitágoras carioca chega à terceira escola onde ensina matemática para
jovens e adultos. “Não se esqueça que amanhã é sábado e amanhã de manhã ainda
eu trabalho”, lembra o professor.
É a realidade de boa parte
dos colegas dele: dos professores das escolas públicas. Não é à toa que o
mestre não tem seguidores. Perguntamos na sala de aula: “alguém aqui quer ser
professor?” Ninguém responde.
Ensinar é só parte do
trabalho. Ainda tem a preparação de aula, correção de trabalhos e provas. “Para
mim fica em torno de umas 250 provas e trabalhos por mês.
E olha que Pitágoras ainda
deu sorte. Mesmo sem fazer curso de doutorado, como gostaria, teve boa
formação. O pai foi um apaixonado professor de matemática.
Jornal
Nacional: E você gosta do seu nome?Pitágoras Cyriaco, professor de matemática: Adoro o meu nome. Não trocaria.
Ensinar a matéria em que
se formou, como o Pitágoras faz, deveria ser norma, mas é quase luxo no Brasil.
Aqui, 52% dos professores não têm licenciatura, que é a formação específica na
matéria que leciona. Um quarto dos docentes não têm nível superior e muitos dos
que chegaram lá arrastam para a faculdade as deficiências do Ensino Médio.
O aluno com
dificuldades de ontem se torna o professor com dificuldades amanhã. Esse ciclo
vicioso não está sendo rompido nem pelos governantes, nem pelas universidades,
segundo a professora Bernadete Gatti. “O professor que estamos formando hoje já
está saindo nessa condição de uma formação muito precária”, afirma.
Coordenadora de
pesquisas educacionais da Fundação Carlos Chagas, ela analisou profundamente a
formação dos professores no país. Descobriu que nas Faculdades de Pedagogia, sobra
teoria e falta conteúdo.
Só uma média de
7,5% das disciplinas aborda as matérias e temas que serão ensinados nas séries
iniciais do ensino fundamental. Ou seja " o que ensinar" é deixado de
lado. Já nos cursos de licenciatura, em geral acontece o contrário: o
"como ensinar” é fraco. Tem mais conteúdo e pouca didática.
“Ter o conhecimento
em si de uma disciplina não leva o professor a saber fazer o seu trabalho
didático em sala de aula. Eu proponho que se faça uma revolução. Porque, no meu
entender, nós precisamos mudar a estrutura formativa e os currículos”, diz
Bernadete.
A mistura de
formação falha desde o ensino médio, da correria e das carências cria situações
como a de professores que simplesmente não leem mais.
“O que mais tem é
livro que quero e não tenho condição de comprar nem tempo para ler”, lamenta a
professora Ana Lúcia Alencar.
Jornal Nacional: É duro para um
professor?
Ronaldo dos Santos, professor: Demais. Como você não lê um livro e pede ao seu aluno para ler um livro?
Ronaldo dos Santos, professor: Demais. Como você não lê um livro e pede ao seu aluno para ler um livro?
A consequência é trágica:
“na verdade eu nunca vi ela chegando com livro para ler dentro de casa não”,
conta uma mãe de aluna.
A distância que
separa a escola pública sem livros em Novo Gama de uma escola particular em São
Paulo vai muito além dos quilômetros entre as duas cidades. No caso de São
Paulo, os alunos também são pobres, a maioria mora em região de favela, mas
conseguiu bolsa e estuda em um dos colégios mais tradicionais da cidade.
“Esses garotos
chegam e conquistam um espaço pelo mérito e porque recebem uma coisa que é
fundamental: escola. Nós oferecemos a eles uma escola”, diz o professor de Português
Marcelo Donatti.
E no centro dela professores bem pagos, de quem se exige o melhor.
E no centro dela professores bem pagos, de quem se exige o melhor.
Marcelo Donatti, professor de
português: Um professor de
fato é aquele que estuda o assunto, estuda o conteúdo que ele procura
disseminar por aí.
Jornal Nacional: O sr. estuda ainda português?
Marcelo Donatti: Muito.
E o resultado
aparece na aula, em estilo tradicional, mas que hipnotiza os alunos.
“A distância entre
o aluno e o professor some. Parece que nós estamos todos juntos num diálogo
comum. E esse que é o diferencial de uma boa aula”, elogia a aluna Larissa
Sousa.
“É o melhor
professor que já tive em toda a minha vida. Quando ele apresentou Carlos
Drummond, se você presta atenção no que ele está falando, Carlos Drummond está
aqui, entendeu?”, ressalta outra aluna.
Fonte: G1 – Jornal Nacional
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